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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Para esquecer alguém

Todo mundo tem alguém de quem quer se esquecer...
Por Rosana Caiado • 10/02/2009

- Quando decidi esquecê-lo, era tarde, eram três da tarde, era esquecer ou passar outras tardes nubladas como aquela, apesar do sol tostando a calçada do lado de fora do apartamento. Abri as cortinas determinada a arrancá-lo do meu peito.

"A primeira providência foi a mesma das heroínas de novela: tirar as fotos dos porta-retratos. A diferença é que as mocinhas das oito rasgam as fotografias, para, nos últimos capítulos, colá-las com fita adesiva. Preferi guardar todas elas (não eram poucas) dentro de uma caixa de papelão, que não podia ter motivos alegres (florzinhas) ou tristes (chapado em preto), mas sim uma aparência neutra (listras azuis e verdes), onde guardei também um punhado de cartas, cartões e bilhetes amarrados com barbante. A caixa era alta, do tamanho de uma gaveta, porque ele sempre foi um homem carinhoso em palavras escritas e também porque nossas fotos eram muitas, inúmeros flagrantes de momentos de paixão que talvez não se tenha notícia novamente ao redor do mundo. Mas não convém tocar nesse assunto, pelo risco de recaídas."

"Enquanto descia a escada de alumínio depois de guardar a caixa no armário mais alto da casa, comecei ao mesmo tempo a empurrá-lo para um canto escuro da minha cabeça, onde ele sempre havia sido espaçoso. Em seguida, tirei o reflexo, o reflexo dele, que ainda estava no espelho do banheiro. Passei vidrex. E desembrulhei um sabonete de limão com o qual tirei as impressões digitais dele do meu corpo, principalmente no entorno da cintura. Nas costas, bucha."

"Apaguei o número dele do meu celular para não correr riscos nas noites alcoólicas ou insones que se seguiriam, comprei lençóis novos e me tranquei no quarto. Chorei muitas lágrimas - o processo de esquecer é para mim lento e doloroso ao extremo, ainda que eficaz. Comecei baixinho até chegar aos soluços e depois voltei ao comedimento por pura vergonha dos vizinhos. Passados alguns dias, não mais que três, enxuguei as lágrimas com lenço descartável e dormi com os olhos mais fechados do que o comum."

"Foi quando chegou o momento mais importante que, embora alguns não se dêem conta e daí lamentem as tentativas fracassadas de esquecimento, é inerente ao processo de esquecer alguém: expulsá-lo das minhas memórias, arrancar nossos momentos da minha lembrança, tirá-lo dos meus pensamentos com rigor de exército."

"A partir desse dia, todas as vezes que pensava nele, me obrigava a pensar em outra coisa - sorvete de doce de leite, fim de tarde, samba de roda - mas ainda essas coisas me traziam um pedaço dele. Determinei que não poderia pensar nele por mais do que três segundos e, para tal, lancei mão de outros temas nos quais pensar senão nele, como o funcionamento de uma hidroelétrica, a reprodução dos animais invertebrados e a possibilidade de vida extraterrestre."

"Pedi aos mais próximos que não tocassem no nome dele na minha frente e que me fizessem calar se, em um deslize, eu mesma trouxesse as falas dele para as nossas conversas. Ficou terminantemente proibido que eu chamasse o nome dele à noite, depois de um pesadelo, bem como que eu sussurrasse frases de amor para que ele ouvisse do outro lado da cidade."

"Esquecer alguém exige apagar um bocado de amigos, bares, músicas, apelidos, numa varredura que limpa e também assombra, pelo vazio que deixa. A saída é preenchê-lo com futuro, novos projetos, viagens (que é o que fazem as mocinhas de novelas), drinks, filmes (comédias nunca românticas), amigos e um eventual beijo de língua em estranhos, por mais superficial que esses beijos se revelem no dia seguinte."

"Rasguei folhas do calendário, empurrei os ponteiros do relógio, mas não adiantou muito visto que a última parte do processo de esquecimento está além do desejo humano: é o passar do tempo, que carregou no vento qualquer poeira de amor por ele que ainda sujava o meu peito."

- Demorou quanto tempo?
- Na sua vida, meses. Na minha, anos.
- Foi difícil?
- Difícil é amar outra pessoa.



Rosana Caiado nasceu no Rio de Janeiro, em novembro de 77. Desde então só quer ser amada. É devota do amor à primeira vista, do amor eterno e do amor após o matrimônio. Seu primeiro amor foi a publicidade, depois flertou com o jornalismo e veio a casar de véu e grinalda com a dramaturgia. Para fugir da rotina, faz aulas de jazz e dança de salão, inventa moda, joga charme e escreve no blog Pseudônimos

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